segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Meu trabalho de conclusão de curso

Um amigo que edita um jornal (muito bom!) eletrônico pediu que eu fizesse um texto para divulgação de meu TCC. Hesitei, pois ainda fico tímida com essas coisas, mas, como gosto muito de Davi, atendi a seu pedido (espero que não tenha ultrapassado muito o tamanho permitido!)...

.
Bem, vou colocar o texto aqui também... ;-) Ah!! Vou colocar uma foto em que estou com minha banca examinadora!
.


DESFAZENDO AS TRANÇAS DO LÉXICO DO PORTUGUÊS
CARMEN LÚCIA DE MEDEIROS[1]


Desfazer as tranças que representam o léxico do português brasileiro, doravante PB, identificando o "DNA" dos fios que as compõem demanda um trabalho por demais amplo. Há muito que estudiosos da língua se dedicam a esse tão fascinante desafio, que continua atraindo sempre o interesse dos que pretendem entender melhor como se deu a formação da variedade da língua portuguesa usada no Brasil.

O desembaraçar metafórico das tranças afro, participantes ativas na formação do léxico do português brasileiro remete ao estudo sobre a composição étnico-linguística dos povos que estiveram, durante sua longa história, em contato no território que hoje se reconhece como Brasil, sobretudo do povo africano. Assim ao se tratar de qualquer questão que envolva Brasil e Portugal, não se pode deixar de lançar o olhar também para a África, em especial, para Angola, cuja proximidade com o Brasil para além de geográfica, é mais do que também histórica. Sem dúvida, a Diáspora Negra trouxe para o território brasileiro, em lastros de navios abarrotados de escravos africanos oriundos de povos diversos – em sua maioria, saídos de portos da região de Angola e do Golfo do Benim –, parte do vocabulário que hoje faz parte do cotidiano do falante de língua portuguesa no Brasil.

Não fosse a vergonha do passado e a necessidade da construção de mitos dignos de orgulho, que levaram à destruição da maior parte da documentação oficial sobre a escravidão no Brasil, seria muito mais fácil se investigar o percurso dos empréstimos africanos ao PB. No entanto, talvez essa escassez de registros venha a atuar positivamente no sentido de incentivar o interesse dos estudiosos da linguística histórica quanto ao desenvolvimento de novos trabalhos nessa área.

A bibliografia que trata dos empréstimos africanos no PB apresenta números contraditórios e nem sempre relaciona os itens que foram computados para que se chegasse aos totais apresentados, o que motivou uma pesquisa, em que se buscou inventariar e apresentar de maneira organizada o repertório desses itens, numa tentativa de avaliar de forma mais precisa a dimensão da interferência lexical das línguas africanas em contato com a língua portuguesa, especialmente no território brasileiro, mas sem esquecer que essa interferência extrapola os limites geográficos do País.

A pesquisa cujos resultados podem ser encontrados no endereço eletrônico http://www.prohpor.ufba.br/desfaztran.pdf, teve um escopo adequado apenas a um trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras Vernáculas, no entanto, o volume de dados que se teve de manusear foi de tal monta que não se completaria a contento, não fosse a utilização do Aurélio eletrônico como ponto de partida, bem como o confronto com a versão também eletrônica do Houaiss. Ainda que o uso dessas ferramentas não tenha garantido a integridade dos dados levantados, que tiveram que ser revalidados algumas vezes, foi fundamental para o sucesso que possa ter sido atingido em uma tarefa cuja realização dispunha de tão parcos recursos temporais e bibliográficos. Não se pode desprezar o auxílio da informática em pesquisas que envolvam tal volume de informações e espera-se que as versões futuras dos dicionários citados possam ajudar ainda mais aos pesquisadores, especialmente aos interessados em dados etimológicos.

No desenvolvimento do trabalho, se pôde observar que na dicionarística brasileira contemporânea já há maior preocupação de identificação dos verdadeiros étimos dos empréstimos de línguas africanas – ainda que, muitas vezes, sejam apresentados de forma assistemática. Entretanto, os dicionários, ainda assim, registram essas informações com um indesejado grau de inconsistência e imprecisão.

A partir da identificação, nos dicionários supracitados, de um pequeno conjunto de itens lexicais ainda carentes de investigação, se buscou rastrear, na bibliografia disponível, senão a língua de origem, pelo menos sua filiação glossogenética. Conquanto se tenha identificado a necessidade de proceder a investigações sobre a Onomástica – tanto sobre a Toponímia, quanto sobre a Antroponímia – brasileira de origem africana, essas foram deixadas para uma etapa posterior, uma vez que o tempo requerido para a terefa seria, certamente, muito superior ao despendido no levantamento lexical baseado em dicionários eletrônicos, pois a escassez de bibliografia é ainda maior em se tratando dessa área. Evidentemente, o fato de existir um pequeno morro no sertão paraibano cujo nome coincida com o de uma longínqua região da Etiópia pode ser fruto do acaso, mas, a intencionalidade da denominação poderia indicar a presença de escravos falantes de línguas do tronco afro-asiático em regiões para as quais, até então, não se considerava tal possibilidade. Outra área para a qual se vislumbram muitas possibilidades de pesquisa, envolvendo os empréstimos de línguas africanas ao PB, é a dialectologia – investigações sobre o uso do vocabulário trazido da África e adaptado ao clima do Brasil, e de suas variantes, poderiam gerar cartas lexicais bastante reveladoras sobre a história, que se tentou apagar, da escravidão no País.

Enfim, principalmente em uma época em que se pretende resgatar dívidas contraídas por antepassados escravagistas e erradicar preconceitos ainda vigentes no País, cumpre ressaltar que se faz mister o desenvolvimento de novos trabalhos que busquem analisar a interferência das línguas africanas no PB, e que não se limitem apenas à área do Léxico.



[1] Aluna especial do Mestrado em Letras da Ufba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário