sexta-feira, 24 de julho de 2009

Ritos de passagem

A viagem de Erick está funcionando como um rito de passagem na vida dele, pelo menos é assim que estou encarando... uma passagem da condição de filho para a de adulto (quase) independente. Pela primeira vez ele está testando suas asas em um voo (mais ou menos) longo e sem a assessoria materna... (em compensação, ele vai poder me assessorar em minha próxima viagem!) ;-)
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Isso me remete aos meus próprios ritos...
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"Ficar no canto" foi um rito que devo ter vivido, mas do qual não lembro... É... não lembro quando perdi o direito ao quarto de papai e mamãe... Nem lembro de ter ocupado o "quarto dos pequenos", que tinha uma porta de comunicação com o quarto paterno e que era destinado aos menorezinhos. Talvez por ser menina eu tenha ido direto para o quarto de Maria Sônia (que não deve ter gostado nem um pouco da companhia daquela pirralhinha que "mijava na cama"...
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Naquele quarto, eu tinha uma cama quase igual a de minha irmã, só que a minha tinha uma grade que me protegia de quedas... (será que eu caía da cama ainda aos 4 anos?) e uma gaveta do guarda-roupas era reservada para mim. Não lembro se meus vestidinhos ficavam pendurados (em "ombreiras" de plástico cor-de-rosa ou azul enfeitadas com patinhos...) junto aos dela... Creio que não ficavam... nosso convívio naquele quarto não era exatamente uma divisão harmoniosa de espaço... (minha necessidade de ter um espaço meu deve ter nascido naquele quarto que tinha uma porta para a varanda de piso de cerâmica vermelha sextavada!)
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O primeiro rito de passagem que guardo na memória foi a sonhada ida para a escola, quando descobri que eu não era, não precisava ser, uma só!
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Depois, sempre ligados a escola, vieram a ida para um colégio de freiras: o Instituto Maria Auxiliadora, em Recife (antes dele, eu havia passado pelas Lourdinas de Recife, mas esse era bem pequeno e não muito diferente das "escolas particulares" que eu frequentara antes). O Maria Auxiliadora me marcou muito. Desde a entrada... eu fui deixada sozinha no portão e segui meio assustada em direção a uma ala onde ficavam as salas de aula (ali eu iria cursar, e cursei, a quinta série primária e prestar o exame de Admissão, esse, um rito oficial de passagem para a vida adolescente), caminhando entre os canteiros de flores que ficavam no pátio do colégio, ladeando uma estátua, se não me engano, de d. Bosco (o Maria Auxiliadora é um colégio salesiano...).
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O acesso ao corredor de salas de aula era feito por dois degraus. Subi aqueles degraus vestida em minha farda (totalmente inadequada ao clima do verão nordestino!) composta de saia de "tropical" azul marinho pregueada, blusa branca de cambraia (de mangas compridas! E com a frente adornada lateralmente por duas faixas de 10 cm de "nervuras"), cinto largo (de 10 cm) forrado com o tecido da saia, sapatos pretos e meias soquete brancas. Sob a blusa, eu tinha que usar um "corpinho" ou "meia combinação" (algo bem parecido ou igual às camisetes, que se usam hoje). Fui recebida por uma freira com "cara de poucos amigos" que me mandou ajoelhar (nunca gostei que me mandassem ajoelhar!) para verificar se a borda de minha saia arrastava no chão... essa era a medida de comprimento que deveria ter a saia da farda daquela assustada menina de 10 anos... A minha ficou acima do chão e mamãe teve que "descer o abanhado"...
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Naquele colégio, apesar de eu não ter guardado dele as mais doces recordações, eu pude começar a exercer uma coisa que sempre me fascinou: o anonimato! Como eram muitas alunas, eu tinha a sensação de não estar sendo observada o tempo todo (no que eu estava redondamente enganada, pois a disciplina ali era muito rígida e nada escapava aos olhares agudos das irmãs, que eram muito mais brabas do que minha irmã, quando eu mexia em alguma coisa dela...).
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Foi no Maria Auxiliadora que conquistei minhas primeiras amizades independentes da família. Meus pais não conheciam os pais de Fabíola, Fernanda, Heloísa Helena... Pela primeira vez, eu tinha algo que parecia ser só meu!
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Outra coisa que havia naquele colégio era um internato (aliás, lá também havia alunas que eram "semi-internas"... iam para lá pela manhã fazer "sei-lá-o-quê", almoçavam no colégio, à tarde tinham aula conosco e iam para casa à tardinha). Um dia eu fui visitar o dormitório delas... Era um quarto enorme, cheio de camas bem feitas (não sei se pelas próprias alunas ou pelas freiras) e eu agradeci aos céus ter conseguido me livrar da ameaça sob a qual eu vivera entre os 7 e os 10 anos, quando mamãe repetia todos os dias que me colocaria em um internato, pois eu era muito "arengueira" e só queria saber "de brincadeiras de meninos" (afinal, eu não queria brincar sozinha!).
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Não lembro quando ela parou de repetir isso, mas lembro que todo ano, no período em que eu sabia que as aulas estavam para começar, eu procurava me comportar o mais corretamente possível... me apavorava a ideia de ser mandada para longe de casa para transformar minhas mãos em mãos-de-fada (mesmo achando que fadas eram seres lindos, eu preferia não trocar minhas mãozinhas!)...
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O último rito de passagem que citarei hoje é o do nascimento de minha primeira sobrinha (que fez aniversário ontem!). Virei tia aos 11anos. Minha sobrinha, Socorro, era um bebêzinho muito fofinho e rechonchudo, mas eu não tinha muito acesso a ela, apesar dela morar em nossa casa. Sua mãe era muito ciumenta e talvez tivesse medo que eu a derrubasse no chão... Não lembro de ter colocado Socorro no colo... nem de ter cantado "O Calhambeque" ou "Quero que vá tudo pro Inferno" para ela...
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Aliás, quando Sóstenes levou Cleonice, grávida, lá para casa eu fui "despejada" do quarto que ocupava; eu já conquistara o direito a ter meu quarto, mas o perdia a cada hóspede que chegava (como vovó Xixica e tia Lilia, que iam nos visitar todos os anos) e acho que aqui está mais um fato que contribuiu para a minha necessidade de ter "meu canto".
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Sim, mas a chegada de Socorro representou uma oportunidade para eu me livrar de todos os meus brinquedos. Doei todos para ela (não eram muitos e talvez ela nem tenha chegado a brincar com eles, mas eu fiz a minha parte!) ;-) e comecei a lutar pelo direito a usar sapatos sem meias soquete (eu morria de vergonha de minhas colegas de colégio, pois mamãe me obrigava a usá-las e aquilo representava ser "pirralha boba". Muitas vezes eu preferia não sair, para não ter que me vestir de criança, quando já não me sentia mais tão menina... apesar de não ter noção das razões que me faziam sentir isso!)
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Essa foi uma época em que minhas feições mudaram muito. Eu fiquei horrorosa, como mostro aqui, onde apareço com a cara meio amarrada (aqui em Salvador diriam que na foto eu estou "enfezada"...), com uma "fita grega" nos cabelos e usando uma blusa de linho azul enfeitada com uma espécie de galão listrado em vermelho e branco (acreditem!) feito de crochet (por Maria Sônia? Talvez... ela sabia fazer até "frivolité" e "renda irlndesa"!).
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Bem, se alguém encontrar por aí essa menina, que faça como eu faço, quando a encontro em minha memória, dê-lhe muito carinho e atenção, pois ela realmente sente muita falta disso!

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